Posição sobre a Constituição Europeia

No dia 29 de Outubro de 2004, em Roma, foi assinado por parte dos representantes dos Governos dos Estados-membros da União Europeia, o tratado pelo qual se estabelece uma Constituição para a Europa, um tratado vinculativo para esses países e que terá grandes repercussões na vida dos habitantes da Europa.

Depois das dramáticas etapas históricas que o nosso continente tem vivido ao longo de séculos; depois de guerras, perseguições, discriminações, totalitarismos e fanatismos, chegou a hora de que os povos da Europa se unam num espaço de integração não só económico como também político e social. É preciso realçar, além do mais, que esta união não se produz por imposição de uma potência militar, como sucedia no passado, sendo antes desejada pelos povos que procuram encontrar-se num projecto comum.

A Europa está madura para uma Constituição que, inspirando-se nas profundas raízes humanistas da nossa cultura, sustente a construção de uma Europa solidária, multiforme, tolerante e não-violenta. Uma Europa que dê o seu contributo para a futura Nação Humana Universal.

É precisamente por causa da importância histórica de tal Constituição que não se podem aceitar simplificações e acelerações que só introduzem, à maneira de “cavalos de Tróia”, formas e conteúdos muito afastados da democracia real, da participação activa e crítica dos europeus, e do ideal de uma região de paz, solidariedade e igualdade.

O interessante ponto do preâmbulo que reconhece a “herança… humanista” da Europa não é suficiente se esta concepção não se estender e não impregnar todo o articulado do tratado e, sobretudo, se não se transformar em prática de democracia real.

O processo de ratificação da Constituição está a ser feito no meio da desinformação geral da população e com formas e critérios muito diferentes nos distintos países da União: na Hungria, por exemplo, já aprovaram a Constituição no Parlamento no passado mês de Dezembro sem participação popular; outros, como a Itália, Alemanha ou a Áustria, usam este mesmo procedimento em datas diferentes; finalmente, outros, como a Espanha, Portugal, França ou a República Checa, prevêem um referendo em diferentes datas (o primeiro será em Espanha no próximo dia 20 de Fevereiro).

Por outro lado, ter que votar “sim” ou “não” a totalidade de um texto tão complexo como este, sem possibilidade de lhe introduzir matizações e sem informação, não constitui um exemplo de “democracia real”, mas sim antes uma chantagem e uma armadilha da “democracia formal”. Desta forma, são os próprios governos que permitem que grupos particulares (Banca, interesses armamentistas e especuladores financeiros) se enriqueçam, amparando-se na aprovação da Constituição. Denunciamos a desinformação sobre o texto do tratado, que contrasta, por exemplo, com a exaustiva campanha informativa e pedagógica desenvolvida pelas instituições previamente à entrada em vigor do euro.

Assim, como Regional Europeia da Internacional Humanista, propomos uma campanha informativa e de denúncia em todos os países da União Europeia (e não apenas naqueles que terão referendo) baseada em quatro pontos:

1) Queremos uma verdadeira Constituição Europeia, com fortes e coerentes referências humanistas. Uma Constituição que afirme valores de paz, solidariedade, tolerância e não-violência, não só no respectivo Preâmbulo mas também em todo o seu articulado. E queremos uma Carta de Direitos Fundamentais que não seja posteriormente esvaziada do seu conteúdo.

2) Denunciamos o carácter anti-humanista de alguns dos conteúdos deste texto, que, entre outras coisas:

– Assegura a supremacia do Banco Central Europeu sobre os parlamentos eleitos, fortalecendo um modelo que propicia a privatização dos serviços públicos e faz retroceder conquistas sociais na saúde e na educação.
– Não se compromete com a paz mundial, ao não assumir expressamente o acatamento das resoluções das Nações Unidas em matéria de intervenção militar, ao mesmo tempo que promove e reforça a indústria de armamento.
– Exige a cidadania europeia para se poder gozar plenamente dos direitos fundamentais estabelecidos na respectiva Carta, deixando, assim, desprotegidos mais de 20 milhões de seres humanos na Europa.

3) Exigimos a realização de referendos em todos os países membros da União Europeia e não apenas em alguns. Propomos postergar os referendos já calendarizados, estabelecendo uma data comum, para permitir uma informação real e pontual sobre a Constituição e as suas consequências para a vida dos habitantes da Europa.

4) Não aceitamos a chantagem e a armadilha de um “Sim” ou um “Não” fechado e sem matizes. Para isso, propomos uma votação por áreas temáticas previamente à redacção e aprovação final do texto constitucional.

Convidamos todos os Partidos Humanistas, as organizações democráticas, as associações e todas as pessoas que se reconhecem nestes ideais de uma Europa unida, aberta a outras culturas, solidária e não-violenta, a difundir e organizar iniciativas de denúncia e informação com base nestes quatro pontos.

Zurique, 26 de Janeiro de 2005

Giorgio Schultze – Presidente
Pau Segado – Vice-Presidente
Dani Horowitz – Secretário-Geral

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