I Congresso (3/4)

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O Partido Humanista e o trabalho nos bairros

Natacha MotaO Partido Humanista não precisa de apresentar grandes argumentos para afirmar que o mundo vive hoje um momento de desestruturação globalizada, em que o ser humano é posto como valor secundário. A quem disser que não é assim, que as coisas estão bem salvo um ou outro caso pontual, convidamos a vir connosco aos bairros em que estamos a trabalhar, bater à porta de cada vizinho como nós fazemos, e perguntar à Dona Esmeralda, por exemplo, como é que ela e a família têm passado. Ela contar-lhe-á como perdeu a clientela do seu pequeno negócio devido à concorrência das multinacionais. Falará sobre o filho toxicodependente que é seropositivo e está a definhar com tuberculose, deixando ao seu cuidado a filha de 10 anos. De como a reforma do marido nem chega para as contas da saúde do filho. De como lhe querem tirar o rendimento mínimo garantido pelo qual teve de esperar tanto tempo. E, finalmente, de como não vê como as coisas poderão melhorar, pois os políticos nada fizeram até agora, tudo indicando que vão continuar a ignorá-la.

Isto não é ficção, foi ainda esta semana que falei com a Dona Esmeralda, minha vizinha na zona da Areosa, no Porto. E não vou falar aqui de todos os outros casos com que diariamente nos deparamos.

Perante este cenário, não compreendemos que se continue a insistir em centralizar o poder e a colocá-lo nas mãos de meia dúzia de pseudo-representantes políticos que governam de costas voltadas para a população e de braços abertos para o poder financeiro e económico.

A preocupação política deste partido consiste em priorizar a vizinhança, antes do município, do distrito, da região ou do país. É no bairro que os conflitos se fazem sentir com mais intensidade, por muito longínquas que sejam as suas raízes. Desses habitantes, desses vizinhos, deriva a legitimidade de uma dada ordem e de aí se deve erguer a representatividade de uma democracia real. E como é feito esse trabalho de base?

O primeiro passo consiste em promover a comunicação entre as pessoas, contrariando o individualismo e a solidão promovidos por este sistema. Quando os vizinhos começam a comunicar entre si, surgem ideias para resolver os problemas que mais os preocupam. São então muito importantes as reuniões semanais em que as pessoas se juntam tanto para organizar as actividades a que se propõem, como para desenvolver temas de trabalho pessoal que ajudam ao auto-conhecimento, ao crescimento e ao fortalecimento internos. Das diferentes actividades, grupos e associações que vão surgindo saem propostas concretas de resolução dos problemas duma comunidade: a educação, a saúde, o ambiente, o estado das habitações, o lazer, a justiça e as desigualdades económicas fazem parte da vida do cidadão comum, e é ele que deve decidir em que condições quer viver. As propostas são discutidas publicamente, com a participação de todos, em fóruns ou jornadas onde o convívio, a boa disposição e a diversidade dos participantes substituem o cinzento da rotina quotidiana.

Ao mesmo tempo, edita-se uma publicação com ampla participação dos vizinhos e que informa a comunidade das actividades, propostas e convocatórias deste movimento humanista local, além de incluir todo o tipo de textos que dêem asas à criatividade e riqueza popular.

É chegada a altura em que as diferentes unidades vicinais se juntam para discutir os problemas do Município. E no momento em que as unidades vicinais num dado ponto ponham em marcha um plano humanista de acção municipal que priorize a Saúde, a Educação e a qualidade de vida, e esse município organize a sua democracia real, “o efeito demonstração” far-se-á sentir muito para além dos limites desse bastião. Não se trata de planear um gradualismo que deva ir ganhando terreno até chegar a todos os recantos de um país, mas sim de mostrar na prática que num ponto é possível e está a funcionar um novo sistema.

Natacha Mota


Os Direitos Humanos

Boa tarde a todos os presentes, organizações convidadas, amigos humanistas.

Tal como foi anunciado, cabe-me comunicar as conclusões dos trabalhos deste Congresso relativamente ao tema do direitos humanos.

A Declaração Universal do Direitos do Homem, documento aprovado a 10 de Dezembro de 1948 pelas Nações Unidas e assinado por mais de 50 países, é ainda hoje, quanto ao texto e ao seu espírito, um documento válido. No entanto, decorridos mais de 50 anos da sua proclamação, o documento permanece uma intenção ainda por cumprir.

A adopção da Declaração Universal dos Direitos do Homem por parte dos Partidos Humanistas de todo o mundo e que se encontra expressa nos documentos fundacionais da Internacional Humanista, esta adopção, dizia eu, não implica necessariamente um acordo total com o documento. As nossas divergências baseiam-se fundamentalmente na concepção de ser humano e da sociedade subjacente a dita declaração. Em 1948 compreendia-se que se limitassem os direitos “económicos” às condições de cada país e se limitasse a liberdade de movimento da pessoas aos limites do território nacional. Mas hoje, parece-nos evidente que associar a liberdade e a dignidade humanas a um facto totalmente casual e alheio à escolha do indivíduo, como é nascer num determinado país em vez de outro, parece-nos inaceitável. Num mundo que se mundializa a uma velocidade vertiginosa e imparável, não podemos estar de acordo que se limite a liberdade do ser humano, impedindo-o de, por exemplo, procurar noutro país melhores condições de vida. E não podemos estar de acordo, não podemos deixar de nos indignar quando constatamos que o capital internacional circula livremente, não conhecendo fronteiras.

Alice RibeiroQuando se fala hoje de Direitos Humanos imediatamente os associamos às imagens de violação dos direitos de liberdade política, de expressão e de consciência que nos chegam de diferentes partes do mundo. Mas enquanto, com razão, nos chocamos e escandalizamos com essas imagens de pessoas que sofrem em países distantes, não nos parece tão chocante e alarmante que pessoas ao nosso lado hipotequem os próximos 20 ou mais anos da sua vida, pagando algo que também é um direito proclamado: o direito à habitação condigna. Parece que não nos choca tanto as listas de espera nos hospitais, ou a enorme quantidade de pessoas que espera por um médico de família nos centros de saúde…não nos horroriza tanto que se tenha que pagar para que as nossas crianças frequentem os infantários e a pré-primária, mais tarde o ensino obrigatório e finalmente a Universidade. Tudo isto são TAMBÉM direitos humanos que os países, pelas mão dos seus governantes, se comprometeram a concretizar. Eles dizem :” sendo a economia a base do desenvolvimento social, então temos que dedicar todos os esforços às variáveis macro-económicas, para que, uma vez conseguida a abundância, nos possamos dedicar aos direitos humanos.” Mas, citando Silo, Fundador do Movimento Humanista, “isto é de uma linearidade tão ridícula como dizer: já que a sociedade está submetida à lei da gravidade é necessário concentrarmo-nos neste problema e quando ele estiver resolvido falaremos dos Direitos Humanos.”

A ideologia neo-liberal e os seus seguidores não se compadecem com qualquer acção que não vise o lucro. As conquistas de milhares de seres humanos ao longo de várias gerações, como a saúde e educação gratuitas, a protecção social , a habitação, são agora relegadas para 2º plano. Os Direitos Humanos para os seguidores da ideologia do “lucro” não passam de “despesas” que é necessário reduzir, tentando convencer-nos que esses direitos fundamentais “contrariam as variáveis macro económicas” e são prejudiciais para o país, impedindo a sua evolução. E assim vão deixando a nossa gente confusa e desorientada, entre a mensagem cúmplice dos meios de comunicação ao serviço da ideologia neo-liberal, que nos mostram que o país não poderia estar mais próspero; e os sérios problemas e dificuldades que o cidadão comum tem que enfrentar quotidianamente. E o pior de tudo isto é a falta de esperança que se vai instalando em cada ser humano.

Na Declaração Geral do II Congresso da Internacional Humanista podia ler-se:

“O projecto de construir um mundo novo sem ter em conta o ser humano e o exercício da violência como método, colocou a humanidade à beira de uma catástrofe. Os interesses egoístas e a política medíocre de grupos com horizontes estreitos, juntamente com a ignorância a que estão submetidos amplos sectores da população agravam e aumentam a proporção da crise, enquanto que a fome e a má nutrição flagelam milhares de seres humanos. O desemprego faz estragos crescentes, inclusive nos países mais desenvolvidos, ao mesmo tempo que conflitos de carácter étnico e religioso abarcam cada vez mais regiões, generalizando o sofrimento e o mal-estar. A discriminação aumenta afectando sobretudo os sectores mais desprotegidos da sociedade; as minorias étnicas e culturais são afectadas cada vez mais, ameaçando a sua própria sobrevivência.

Não basta enumerar os perigos que afectam a humanidade e informar sobre eles através dos meios de comunicação. É chegada a hora de implementar medidas urgentes, concretas e solidárias com a finalidade de salvaguardar a vida, garantindo a segurança e a prosperidade às gerações actuais e às vindouras, construindo um mundo multifacetado e afirmando a identidade de cada povo, confissão ou grupo humano. É necessário garantir a liberdade da pessoa frente à opressão e à discriminação; libertar as suas capacidades criadoras frente à desumanização; ampliar os marcos da democracia para superar o carácter formal, transformando-a num meio de expressão e uma garantia dos direitos para todos.”

E ainda

“O consenso como método para resolver conflitos é a forma adequada ao invés da imposição por força da vontade da maioria, pois essa prática não pode reflectir os interesses nem a vontade autêntica de numerosos grupos humanos. Isto está claramente patente nos conflitos étnicos e religiosos, onde o conceito de maioria não é cabalmente aplicável. Aspiramos a criar expressões sociais, económicas, políticas e culturais que possam garantir o desenvolvimento das capacidades e potencial dos povos. (…)

Aspiramos a ir mais além das acções espontâneas de protesto, executando programas de acção concretos em todos os âmbitos. O nosso objectivo é dar coesão aos diferentes grupos culturais, científicos, políticos e sociais com o denominador comum da orientação humanista, reunindo intenções para a realização de acções conjuntas na direcção da afirmação da dignidade humana.”

Nesta sessão de encerramento e relativamente ao tema, para nós fundamental do Direitos Humanos, queremos neste 1º Congresso subscrever publicamente o afirmado no II Congresso da Internacional Humanista, assumindo um compromisso com a letra e acção que a mesma implica.

Antes de terminar gostaria ainda de dizer que para os humanistas o tempo fundamental é o futuro: esse tempo sem fronteiras e limites, um tempo onde tudo é possível e para onde estão voltadas as melhores aspirações do ser humano. Repetindo o dito em tempos por Silo, queria afirmar que ” Os Direitos Humanos não são coisa do passado, eles estão ali no futuro, succionando a intencionalidade, alimentando uma luta que se reaviva em cada nova violação do destino do homem.”

O futuro é para onde nos dirigimos e é aqui, no presente, que já se está a construir!

Nada mais. Muito obrigado pela atenção.

Alice Ribeiro

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